domingo, 27 de setembro de 2009

gesticulava
mãos e rosto em expressões absurdas
seu olhar aflito acabava-se em apelos
suas mãos inquietas não tinham voz

gesticulava a todos, mas ninguém o entendia
se ao menos se ouvisse um leve murmurio...
seus gestos eram seu desespero
gesticulava em pausa, como se respirasse

mas não se encontrava, não se compreendia
apenas gesticulava inutilmente
não havia erro em seus gestos
mas a palavra que sentia
era inexistente no mundo dos homens

sábado, 19 de setembro de 2009

Homicídio

Seus pés cambaleavam na escuridão do mato em que se embrenhara, tentava correr mas suas pernas tremiam. Tentava não fechar os olhos para não lembrar-se, mas mesmo perante a escuridão da noite, a culpa açoitava-lhe em sua condenação repentina. Mesmo com o pouco que lembrava...
Havia ferido um homem, fora até ali um cidadão, agora era um assassino.
O desespero já lhe corroía, olhava para os lados aflito, talvez logo chegasse para prende-lo, era um homicida.. um criminoso.. e o que fazer agora? Não sabia como ser um criminoso.
Na aflição de seus pensamentos, não percebeu quando o matagal se transformou em uma movimentada avenida. Olhava apavorado para as pessoas que passavam à sua volta, saberiam do que ele fez? Esperava que a qualquer momento alguém apontasse o dedo e lhe acusasse, mas ninguém se importava com sua presença, apenas prosseguiam.
Tudo desabava à sua volta. Sempre esperou ser algo importante no futuro, mas não isso, não é preciso fazer três faculdades para simplesmente matar um homem.. agora porém sentia que tudo acabava, havia ferido um homem.. sem motivo algum. Mas como ?
Esforçava-se por lembrar da cena, mas ela parecia muito longe, em uma época diferente.. tudo que lembrava era o corpo morto caindo à sua frente. No momento em que se tornara de fato um homicida. Agora fazia parte do lado escuro da sociedade, o que fazer?
Por um momento as palavras vieram-lhe à mente, precisava esconder o corpo, não sabia onde estava mas inexplicavelmente soube pra onde ir. Sua mente parecia muito a frente de seus medos, assombrou-se com a ideia de que já pensava como um assassino.
As pessoas continuavam sem notar-lhe, talvez não houvessem encontrado o corpo ainda, havia tempo, se soubesse como o havia ferido teria mais certeza, não lembrava-se de possuir uma arma, nem qualquer outra coisa que pudesse ferir um homem, talvez o tivesse rendido com as próprias mãos, mas não parecia lógico à seus braços fracos. Mesmo que não soubesse, precisava esconde-lo, e então fugir.
Agora estava à frente do casebre de onde fugira, a porta aberta, do jeito que deixara. Uma luz acesa iluminava o quintal à frente da janela. Esgueirou-se pelos cantos escuros até chegar junto à porta, então parou a escutar... silencio. Após alguns minutos considerou que estava vazia, então entrou.
O corpo estava lá aonde deixara, mas coberto com um lençol, já o haviam encontrado. Tomado de panico, procurou algum lugar para se esconder, não havia móveis, ajeitou-se como pôde atrás de uma porta. Talvez já tivessem notado sua presença, esperavam apenas o momento de lhe capturarem. Seu corpo tremia, tentava controlar os dentes que batiam furiosamente e ouvia. Apenas o silencio. Talvez quem o encontrara jugasse que estivesse dormindo e fora-se embora.. ou talvez ele mesmo o tivesse coberto e não se lembrava. Apesar de já tranquilizar-se, esperou mais alguns minutos, talvez alguém aparecesse.
Tempos depois, decidiu que era hora de agir. Precisava esconde-lo antes que alguém percebesse, e então fugir para o mais longe possível. O matagal ao lado da casa parecia ser um bom lugar, de fato o único, considerando que não tinha ferramentas. Ainda atrás da porta, planejou em silencio cada movimento, em minutos havia tornado-se um assassino frio e calculista.
Mas agora em meio a tudo isso, uma duvida surgiu. A quem ele havia ferido? Por mais que pensasse não podia lembrar. Já convencido de que não havia mais ninguém na casa, foi até o corpo, ainda com certa cautela, olhando para todos os lados. Abaixou-se junto à ele e descobriu seu rosto.
Pôde sentir o tremor súbito dominar-lhe, suas pernas já chacoalhavam, a mente latejava em terror e dúvida. As paredes giravam em vertigem à sua volta, pouco podia entender. Olhou outra vez, a sensação era a mesma, sua cabeça já doía, o cérebro trabalhando condenadamente a solucionar o caso.
E seu reflexo do espelho de todos os dias, agora à sua frente. Estático, branco e frio.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

tempestade

ouvia o som das goteiras, imaginava as telhas quebradas
já contara e conhecia cada buraco observado em dias de sol
o chão em que dormia se umedecia... se encharcava
seus calafrios eram convulsões, suas convulsões, espasmos

a janela quebrada deixava entrar a luz piscante da noite
gostava de ver a chuva quando criança...
sabia antecipar cada trovoada, mais fracas e mais fortes
fazia-se parte dela, trovoes e espasmos
e o vento frio em seu corpo molhado

ficou alerta por um momento, seria perto e grande
como na infancia, tapou os ouvidos , encolheu-se
uma arvore se incendiou la fora.. mas não pode ver
a chama vencida se tornou em fumaça
seria bom ver o fogo, mesmo que não se aquentasse

tentou consolar-se sentindo algo de si mesmo
apenas um coração batendo em meio à tempestade
cravado de seus espinhos... só em definitivo
paredes nuas assistiam-lhe no casebre
relâmpagos refletiam em suas lagrimas
já perdido em sua falta de si mesmo

jogava-se contra suas paredes
forçava algemas invisíveis
odiava sua prisão inexplicável

as trovoadas sacudiam as paredes e o teto
diante de seu rosto placido, seu choro silencioso
não tinha medo, não podia senti-lo
seria parte da coragem que já não tinha
agora era constante, covarde
se tivesse medo, seria da morte
mas já não tinha coragem de viver
seria só um rosto... sobrevivendo..

mas por que não desistira?
de que era feito esse fio que lhe segurava?
talvez de que sonhara quando menino?
de algum sorriso perdido no mundo?
e se realmente tentasse?
o que tinha a perder?

viu-se misteriosamente vivo
a luz da noite era diferente
lembrou-se de dias distantes
encontravam-se outra vez

olhou pra si mesmo, o que era, onde estava
tinha vergonha das roupas rasgadas
de sua pele suja, barba e cabelos desgrenhados
como se tornara nisso?
como se acordasse de um sono profundo
enxergava nitidamente, sem as nuvens de outrora

seu pequeno fio era agora uma corda
enfurecia-se de onde chegara
seus punhos contra o chão molhado
não se compadecia, tentava dar novas forças
aos membros a muito esquecidos

acariciava as paginas sujas
tentava colar os rasgos com lagrimas
podia vislumbrar palavra a palavra
sob a luz de cada relâmpago

"seria"
ecoava-lhe na mente, decidira-se
"seria"
calculava, empolgava-se
"seria"
o que seria?
uma duvida invadia-lhe a mente
o que poderia ser? agora?

sentiu mais uma vez os músculos fracos
não podia ser nada enquanto chovesse
teria de esperar... sempre a espera
seus calafrios diminuíam
seu corpo já gelado não tremia

a espera...
tentou fechar os olhos... tentou sorrir
e esperar...
"se amanha não chover..."
as trovoadas cada vez mais distantes
"se amanha não chover..."
o som ao longe de uma sirene
"eu posso ser alguma coisa..."
mais sirenes.. mais trovoadas
"mas o que? "
uma arvore caindo, agora sim chamas
"não sei.. qualquer coisa."
som de passos lá fora, se aproximam
"posso ser o que você quiser"
som de passos lá fora, se afastam
"talvez possa ser bom... poderia?"
a chuva cessa... as trovoadas se distanciam
"esta decidido..."
por entre as nuvens surgem de novo estrelas
"amanha vou ser melhor que hoje."

seu pequeno fio agora é um pilar
uma esperança incompreensível
que leva o homem a ter sonhos.
talvez contente, talvez zombando...
a lua espia sorrindo
e prossegue sua noite.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Caixa de Vidro

O desespero escondido...
atrás do sorriso falso.
batendo contra as paredes
num desgaste inutil.

Dentro do olhar sombrio,
um grito abafado
um soluço contido,
espinhos que não saem sem sangue

perdendo o resto das forças
um só sussurro por liberdade
restos da alma despedaçada
no vácuo de uma caixa de vidro.