ouvia o som das goteiras, imaginava as telhas quebradas
já contara e conhecia cada buraco observado em dias de sol
o chão em que dormia se umedecia... se encharcava
seus calafrios eram convulsões, suas convulsões, espasmos
a janela quebrada deixava entrar a luz piscante da noite
gostava de ver a chuva quando criança...
sabia antecipar cada trovoada, mais fracas e mais fortes
fazia-se parte dela, trovoes e espasmos
e o vento frio em seu corpo molhado
ficou alerta por um momento, seria perto e grande
como na infancia, tapou os ouvidos , encolheu-se
uma arvore se incendiou la fora.. mas não pode ver
a chama vencida se tornou em fumaça
seria bom ver o fogo, mesmo que não se aquentasse
tentou consolar-se sentindo algo de si mesmo
apenas um coração batendo em meio à tempestade
cravado de seus espinhos... só em definitivo
paredes nuas assistiam-lhe no casebre
relâmpagos refletiam em suas lagrimas
já perdido em sua falta de si mesmo
jogava-se contra suas paredes
forçava algemas invisíveis
odiava sua prisão inexplicável
as trovoadas sacudiam as paredes e o teto
diante de seu rosto placido, seu choro silencioso
não tinha medo, não podia senti-lo
seria parte da coragem que já não tinha
agora era constante, covarde
se tivesse medo, seria da morte
mas já não tinha coragem de viver
seria só um rosto... sobrevivendo..
mas por que não desistira?
de que era feito esse fio que lhe segurava?
talvez de que sonhara quando menino?
de algum sorriso perdido no mundo?
e se realmente tentasse?
o que tinha a perder?
viu-se misteriosamente vivo
a luz da noite era diferente
lembrou-se de dias distantes
encontravam-se outra vez
olhou pra si mesmo, o que era, onde estava
tinha vergonha das roupas rasgadas
de sua pele suja, barba e cabelos desgrenhados
como se tornara nisso?
como se acordasse de um sono profundo
enxergava nitidamente, sem as nuvens de outrora
seu pequeno fio era agora uma corda
enfurecia-se de onde chegara
seus punhos contra o chão molhado
não se compadecia, tentava dar novas forças
aos membros a muito esquecidos
acariciava as paginas sujas
tentava colar os rasgos com lagrimas
podia vislumbrar palavra a palavra
sob a luz de cada relâmpago
"seria"
ecoava-lhe na mente, decidira-se
"seria"
calculava, empolgava-se
"seria"
o que seria?
uma duvida invadia-lhe a mente
o que poderia ser? agora?
sentiu mais uma vez os músculos fracos
não podia ser nada enquanto chovesse
teria de esperar... sempre a espera
seus calafrios diminuíam
seu corpo já gelado não tremia
a espera...
tentou fechar os olhos... tentou sorrir
e esperar...
"se amanha não chover..."
as trovoadas cada vez mais distantes
"se amanha não chover..."
o som ao longe de uma sirene
"eu posso ser alguma coisa..."
mais sirenes.. mais trovoadas
"mas o que? "
uma arvore caindo, agora sim chamas
"não sei.. qualquer coisa."
som de passos lá fora, se aproximam
"posso ser o que você quiser"
som de passos lá fora, se afastam
"talvez possa ser bom... poderia?"
a chuva cessa... as trovoadas se distanciam
"esta decidido..."
por entre as nuvens surgem de novo estrelas
"amanha vou ser melhor que hoje."
seu pequeno fio agora é um pilar
uma esperança incompreensível
que leva o homem a ter sonhos.
talvez contente, talvez zombando...
a lua espia sorrindo
e prossegue sua noite.
O Amor Fernando Pessoa
-
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
as não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de di...
Um comentário:
que lindo gostei parabems
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