sábado, 19 de setembro de 2009

Homicídio

Seus pés cambaleavam na escuridão do mato em que se embrenhara, tentava correr mas suas pernas tremiam. Tentava não fechar os olhos para não lembrar-se, mas mesmo perante a escuridão da noite, a culpa açoitava-lhe em sua condenação repentina. Mesmo com o pouco que lembrava...
Havia ferido um homem, fora até ali um cidadão, agora era um assassino.
O desespero já lhe corroía, olhava para os lados aflito, talvez logo chegasse para prende-lo, era um homicida.. um criminoso.. e o que fazer agora? Não sabia como ser um criminoso.
Na aflição de seus pensamentos, não percebeu quando o matagal se transformou em uma movimentada avenida. Olhava apavorado para as pessoas que passavam à sua volta, saberiam do que ele fez? Esperava que a qualquer momento alguém apontasse o dedo e lhe acusasse, mas ninguém se importava com sua presença, apenas prosseguiam.
Tudo desabava à sua volta. Sempre esperou ser algo importante no futuro, mas não isso, não é preciso fazer três faculdades para simplesmente matar um homem.. agora porém sentia que tudo acabava, havia ferido um homem.. sem motivo algum. Mas como ?
Esforçava-se por lembrar da cena, mas ela parecia muito longe, em uma época diferente.. tudo que lembrava era o corpo morto caindo à sua frente. No momento em que se tornara de fato um homicida. Agora fazia parte do lado escuro da sociedade, o que fazer?
Por um momento as palavras vieram-lhe à mente, precisava esconder o corpo, não sabia onde estava mas inexplicavelmente soube pra onde ir. Sua mente parecia muito a frente de seus medos, assombrou-se com a ideia de que já pensava como um assassino.
As pessoas continuavam sem notar-lhe, talvez não houvessem encontrado o corpo ainda, havia tempo, se soubesse como o havia ferido teria mais certeza, não lembrava-se de possuir uma arma, nem qualquer outra coisa que pudesse ferir um homem, talvez o tivesse rendido com as próprias mãos, mas não parecia lógico à seus braços fracos. Mesmo que não soubesse, precisava esconde-lo, e então fugir.
Agora estava à frente do casebre de onde fugira, a porta aberta, do jeito que deixara. Uma luz acesa iluminava o quintal à frente da janela. Esgueirou-se pelos cantos escuros até chegar junto à porta, então parou a escutar... silencio. Após alguns minutos considerou que estava vazia, então entrou.
O corpo estava lá aonde deixara, mas coberto com um lençol, já o haviam encontrado. Tomado de panico, procurou algum lugar para se esconder, não havia móveis, ajeitou-se como pôde atrás de uma porta. Talvez já tivessem notado sua presença, esperavam apenas o momento de lhe capturarem. Seu corpo tremia, tentava controlar os dentes que batiam furiosamente e ouvia. Apenas o silencio. Talvez quem o encontrara jugasse que estivesse dormindo e fora-se embora.. ou talvez ele mesmo o tivesse coberto e não se lembrava. Apesar de já tranquilizar-se, esperou mais alguns minutos, talvez alguém aparecesse.
Tempos depois, decidiu que era hora de agir. Precisava esconde-lo antes que alguém percebesse, e então fugir para o mais longe possível. O matagal ao lado da casa parecia ser um bom lugar, de fato o único, considerando que não tinha ferramentas. Ainda atrás da porta, planejou em silencio cada movimento, em minutos havia tornado-se um assassino frio e calculista.
Mas agora em meio a tudo isso, uma duvida surgiu. A quem ele havia ferido? Por mais que pensasse não podia lembrar. Já convencido de que não havia mais ninguém na casa, foi até o corpo, ainda com certa cautela, olhando para todos os lados. Abaixou-se junto à ele e descobriu seu rosto.
Pôde sentir o tremor súbito dominar-lhe, suas pernas já chacoalhavam, a mente latejava em terror e dúvida. As paredes giravam em vertigem à sua volta, pouco podia entender. Olhou outra vez, a sensação era a mesma, sua cabeça já doía, o cérebro trabalhando condenadamente a solucionar o caso.
E seu reflexo do espelho de todos os dias, agora à sua frente. Estático, branco e frio.