Entrou devagar, as pernas ligeiramente tremulas, as mãos suando. Não se imaginava fazendo algo do tipo mas ali estava. Dirigiu-se ao homem sentado no chão que fitava-o com um olhar instável, algo entre a sabedoria e a loucura. Suas roupas eram normais, nada que caracterizasse sua profissão.
- Você é o vidente?
- O que você quer?
- Quero que leia minha mão.
O homem segurou-lhe a mão e virou-a para cima em um gesto impaciente, quase brusco. Analisou -a por alguns segundos e suspirou olhando-o nos olhos.
- Não há nada escrito na sua mão.
- Nada?Como assim?
- Você escreveu alguma coisa não sua mão?
- N.. não mas..
- Pediu pra alguém escrever na sua mão?
- Não.
- Então porque você vem aqui e pede pra eu ler sua mão se não há nada escrito?
- Bom.. você deveria ver o futuro...
- Futuro? O que você acha que é o futuro?
Ele fitou o chão por algum tempo, o rosto ficando vermelho, não apenas pelo nervosismo mas por não saber realmente uma resposta para aquela pergunta. O homem sorriu levemente mas seu olhar continuou duro, aquele ar meio insano mas que inspirava a existência de algum saber considerável.
- Meu filho.. ninguém pode enxergar seu futuro além de você mesmo. Ele não é um livro que todos podem ler, é um caderno em branco. Suas decisões tem sido difíceis mas não tomá-las vai te render apenas o mesmo caderno em branco, se você quer realmente saber seu futuro, livre-se desse medo inútil e escreva-o.
- Mas como me livro do medo?
- Desculpe, seu tempo acabou, precisa ir agora.
- Não.. espere, eu pago quanto você quiser, apenas me responda isso.
- Meu filho, eu não cobro por esse trabalho. Tenha um bom dia.
O homem virou-se e entrou pelas cortinas. Ainda com as pernas tremendo, ele saiu devagar da sala. Na porta, encontrou outro sujeito, mais baixo e, ao contrario do primeiro, usando roupas que mais pareciam uma fantasia.
- Me desculpe rapaz, tive uns contratempos, você esperou muito?
- Não, já estou de saída. O outro vidente me atendeu.
O pequeno homem olhou-o demoradamente como quem observa um caso sem solução, enfim suspirou e abriu a boca, a voz saia-lhe secamente.
- Eu sou o único vidente daqui.
Entrou fechando a porta atrás de si.
O Amor Fernando Pessoa
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O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
as não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de di...